http://www.dx.doi.org/10.14718/ACP.2018.21.1.10
Camilla Volpato Broering1, 2, *
Carolina Duarte de Souzal
Erikson Kaszubowski1
Maria Aparecida Crepaldi1, 3
1 Universidade Federal de Santa Catarina (ufsc), Brasil
2 Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Brasil
3 Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil
* Laboratório de Psicologia da Família, Saúde e Comunidade (labsfac), Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina (ufsc), Campus Universitário, Trindade, cep: 88040-970, Florianópolis-sc, Brasil. Telefone: (55 48) 3721-2435.
millavolbro@hotmail.com
Recibido, abril 27/2017
Concepto de evaluación, agosto 11/2017
Aceptado, agosto 11/2017
Referencia: Volpato Broering, C., Duarte de Souza, C., Kaszubowski, E.&Aparecida Crepaldi, M. (2018). Efeitos de Preparações Psicológicas Pré-Cirúrgicas sobre o Estresse e a Ansiedade de Meninos e Meninas. Acta colombiana de Psicología, 21(1), 217-227. doi: http://www.dx.doi.org/10.14718/ACP.2018.21.1.10
Resumo
A preparação infantil para a cirurgia é foco de atenção da equipe de saúde pelo potencial traumático dos procedimentos cirúrgicos e por ser fonte de estresse e ansiedade na infância. O impacto de três preparações psicológicas pré-cirúrgicas sobre o estresse e a ansiedade de crianças submetidas a cirurgias eletivas foi avaliado. A amostra foi composta por 80 crianças de um hospital infantil, a qual foi dividida em dois blocos de 40 sujeitos de acordo com o sexo e alocados aleatoriamente num dos quatro grupos: controle, preparação por informações verbais, preparação por jogo com kit de preparação ou preparação por vídeo informativo. O estresse e a ansiedade foram mensurados por meio da Escala de Stress Infantil (eh) e do Inventário de Ansiedade Traço-Estado (Idate-c). A intervenção foi implementada em três etapas distintas: (a) aplicação da eh e do Idate-c antes da preparação, no dia anterior a cirurgia; (b) a preparação propriamente dita nos grupos submetidos aos diferentes programas de preparação, também no dia anterior, e (c) a reaplicação da eh e do Idate-c no dia da cirurgia. Os dados foram analisados por meio de equações de regressão simultâneas, e as estimativas são apresentadas em termos de diferença média padronizada e erro-padrão. Os resultados permitem inferir que a preparação com o vídeo reduziu o estresse (Tvídeol = -38 ± .18) e a ansiedade (Tvídeo2 = - .54 ± .27), especialmente entre os meninos (TvídeoM1 = - .66 ± .25; TvídeoM2 = - .71 ± .38). Implicações práticas para a preparação psicológica das crianças em situação pré-cirúrgica e limitações da pesquisa são discutidas.
Palavras-chave: Ansiedade pré-cirúrgica, cirurgia na infância, estresse pré-cirúrgico, preparação psicológica.
Resumen
La preparación infantil para una cirugía es el centro de atención del equipo de salud debido al potencial traumático de los procedimientos quirúrgicos y debido a que es una fuente de estrés y ansiedad en la infancia. En la presente investigación se evaluó el impacto de tres formas de preparación psicológica prequirúrgica ante el estrés y la ansiedad de los niños sometidos a cirugía electiva. La muestra estuvo constituida por 80 niños de un hospital infantil, divididos en dos bloques de 40 sujetos según el sexo, y asignados al azar a uno de cuatro grupos: control, preparación a través de información verbal, preparación a través de juego con el kit de preparación, o preparación a través de video informativo. Se utilizó la Escala de Estrés Infantil (ESI) y el Inventario Ansiedad Estado-Rasgo para niños (STAIC) para medir el estrés y la ansiedad de los niños. La intervención se llevó a cabo en tres etapas distintas: (a) aplicación del ESI y el STAIC antes de la preparación, el día anterior a la cirugía; (b) preparación propiamente dicha en los grupos de los diferentes programas de preparación el día anterior; y (c) reaplicación del ESI-C y el STAIC el día de la cirugía. El análisis de los datos se hizo mediante ecuaciones de regresión simultáneas y las estimaciones se presentan por medio de la diferencia entre medias estandarizada y de la desviación estándar. Los resultados permiten inferir que la preparación con video redujo el estrés (Tvideo1 = -.38 ± .18) y la ansiedad (Tvideo2 = -.54 ± .27), especialmente en los niños (TvideoM1 = -.66 ± .25; TvideoM2 = -.71 ± .38). Al final se discuten las implicaciones prácticas para la preparación psicológica de los niños en situación prequirúrgica y las limitaciones de la investigación.
Palabras clave: Preparación psicológica, estrés prequirúrgico, ansiedad prequirúrgica y cirugía en la infancia.
Abstract
Child preparation for surgery is a focus of attention of health teams due to the traumatic potential of surgical procedures and for being a source of stress and anxiety in childhood. The impact of three pre-surgical psychological preparations on stress and anxiety of children undergoing elective surgery were evaluated. The sample consisted of 80 children from a children's hospital, divided into two blocks of 40 subjects according to gender and randomly assigned to one of four groups: control, preparation by verbal information, preparation by game and preparation kit or preparation by informational video. Stress and anxiety were measured using the Escala de Stress Infantil (ESI) (Child Stress Scale) and the State-Trait Anxiety Inventory for Children (STAIC). The intervention was implemented in three distinct stages: a) application of ESI and STAIC before preparation, the day before surgery; b) actual preparation, in groups submitted to different preparation programs, also on the previous day; and c) reapplication of ESI and STAIC on the day of surgery. Data were analyzed using simultaneous regression equations, and estimates are presented in terms of standardized mean difference and standard error. Results allow to infer that preparation by video reduced stress (Tvideo1 = -0.38±0.18) and anxiety (Tvideo2 = -0.54±0.27), especially among boys (TvideoM1 = -0.66±0.25; TvideoM2 = -0.71±0.38). Practical implications for the psychological preparation of children in pre-surgical situations and the limitations of this study are discussed.
Key words: Psychological preparation, pre-surgical stress, pre-surgical anxiety and surgery in childhood.
INTRODUÇÃO
Uma das principais preocupações de profissionais da saúde com crianças que passarão por cirurgia refere-se à sua preparação psicológica. Isso porque, no período pré-operatório, elas podem experienciar altos níveis de estresse e de ansiedade em virtude da incompreensão do que está acontecendo. Estudos apontam relações entre esses fenômenos e o aumento de efeitos pós-operatórios clínicos adversos que podem deixar marcas permanentes em suas vidas. Portanto, desde a metade do século xx, diversos estudos apontam a preparação psicológica pré-cirúrgica infantil como uma estratégia de saúde importante (Paladino, Carvalho, & Almeida, 2014; Fincher, Shaw, & Ramelet, 2011; Jaaniste, Hayes, & von Baeyer, 2007; O'Sullivan & Wong, 2013; Paladino, Carvalho, & Almeida, 2014).
O estresse é entendido como uma resposta psicofisiológica do organismo provocada por mudanças físicas e psicológicas ocorridas no confronto do sujeito com situações com potencial irritante, amedrontador, excitante, eufórico ou que o confundam (Lipp & Malagris, 1998). Vários são os fatores que podem contribuir para o aumento do estresse da criança durante o período operatório: a falta de familiaridade com o contexto hospitalar, a anestesia, a cirurgia, a dor, entre outros (Aouad, 2011). Já a ansiedade, bastante comum nesse contexto no período pré-operatório (Perry, Hooper, & Masiongale, 2012), é caracterizada como um temor que não pode ser localizado num objeto real. Existem agentes externos que provocam a ansiedade, mas os deflagradores internos (lembranças de experiências anteriores, ideias, fantasias pessoais) e seu grau de intensidade determinarão a reação de ansiedade que pode ser manifestada por um estado de inquietação que aumenta progressivamente (Fernandes, Arriaga, & Esteves, 2014a).
Medidas preventivas que visam diminuir o estresse psicológico, a ansiedade e o tempo de internação da criança no hospital são a melhor forma de evitar consequências pós-operatórias negativas. Várias estratégias e ferramentas já foram criadas e sua eficácia testada para esse fim, de medidas simples e baratas a instrumentos bastante sofisticados e custosos, como as informações educativas, que podem ser transmitidas verbalmente ou por fornecimento de modelos para as crianças com o auxílio de bonecos e brinquedos hospitalares ou vídeo (Aouad, 2011; Fernandes, Arriaga, & Esteves, 2014b; Fincher et al, 2011). Porém, os estudos apontam que a eficácia dessas intervenções varia de acordo com múltiplos fatores, desde o tipo de intervenção oferecida, a idade da criança, a gravidade do quadro clínico, o tempo de internação, até as experiências prévias de hospitalização da criança, seu temperamento e estratégias de enfrentamento da situação (Yuki & Daaboul, 2011).
Dentre essas medidas, o fornecimento de informação é uma intervenção que atenua a ansiedade e o estresse infantil ao prover esclarecimento ao paciente sobre os procedimentos, o que possibilita maior controle sobre a situação (Perry et al., 2012). A forma como as crianças utilizam informações preparatórias que recebem antes de uma operação é explicada pelo Modelo de Fornecimento de Informação, proposto por Jaaniste et al. (2007). Esse modelo prevê que as experiências singulares prévias da criança, a exposição a variadas e diferentes fontes de informações, assim como características individuais (idade, sexo, temperamento, entre outras) influenciam na representação mental da cirurgia memorizada pela criança.
Crianças podem construir representações mentais e narrativas acerca da cirurgia incoerentes com a realidade, dada sua propensão ao exagero e à distorção da realidade. Aquelas que não possuem experiências prévias constroem suas representações e narrativas sobre a cirurgia utilizando de narrativas e representações mentais julgadas relevantes para o enfrentamento da situação. Portanto, transmitir informações esclarecedoras e corretas sobre o processo de hospitalização e cirurgia para a criança pode auxiliá-la na construção de uma representação mental mais coerente e eficaz para lidar com a situação desafiadora. Assim, o modo como as informações são repassadas à criança tornase importante, pois, se ela consegue incorporá-las a uma narrativa já existente, será menos ameaçador enfrentar a nova situação, o que produzirá menos medo, ansiedade e estresse (Fernandes et al., 2014a; Jaaniste et al., 2007).
A partir dos seis anos de idade, as crianças são mais beneficiadas ao receberem preparação psicológica entre uma semana e cinco dias antes do procedimento cirúrgico (Jaaniste et al., 2007; Perry et al., 2012). Apesar de as intervenções cognitivas serem o método de fornecimento de informações pré-cirúrgicas mais efetivo para crianças em idade escolar (O'Sullivan & Wong, 2013), em situações com tempo e recursos limitados para uma adequada provisão de informações, o uso de métodos de distração pode ser útil. Nesses casos, o nível de estresse e de ansiedade infantil tendem a diminuir pelo redirecionamento da atenção da criança de sua própria ansiedade para o entretenimento da técnica de distração empregada: brinquedo, livro, música ou vídeo (Cuzzocrea et al., 2013; Fernandes, Arriaga, & Esteves, 2015). Porém, nos estudos de Fernandes et al. (2014b; 2015) e Melamed e Siegel (1975), apenas as crianças que receberam material de entretenimento que continha informações educativas pré-cirúrgicas tiveram suas preocupações ou medos reduzidos sobre a hospitalização e a cirurgia em comparação com o grupo controle e o grupo que recebeu apenas material distrativo, sem informações pré-cirúrgicas. Esses resultados concordam com a recomendação de Lambert, Glacken e McCarron (2013), de que as informações educativas sejam transmitidas por meio de materiais de entretenimento.
Crianças com idade entre 7 e 12 anos podem ser beneficiadas ao receber informações específicas, com uso de linguagem clara e analogias sobre sensações (o que podem sentir, ouvir, ver, cheirar e provar), sintomas e duração da cirurgia por meio de livros, brinquedos hospitalares e vídeos. Entretanto, quando as crianças recebem informações gerais e/ ou insuficientes, elas se sentem despreparadas e preocupadas com o que acontecerá. Informações detalhadas aumentam seu conhecimento, deixam-nas mais seguras, com algum senso de controle da situação e podem melhor preparálas na identificação de informações úteis para aprimorar sua ideia sobre a cirurgia, o que torna suas estratégias de enfrentamento da situação mais eficazes (Fernandes et al.,, 2014b; Jaaniste et al., 2007; Lambert et al., 2013).
Uma lacuna encontrada na literatura diz respeito ao controle do sexo das crianças. Apesar de estudos apontarem que os níveis de ansiedade e estresse dos meninos são menores do que os das meninas, não há estudos com blocagem das amostras pelo sexo das crianças na avaliação de preparações pré-cirúrgicas (Fernandes et al., 2014b; Melamed & Siegel, 1975). Ademais, em três estudos recentes encontrados na literatura que testaram intervenções educativas infantis, apenas foram coletados dados de ansiedade e preocupações da criança posteriormente à preparação (Cuzzocrea et al., 2013; Fernandes et al., 2014b; 2015). No estudo de Fincher et al. (2011), foi realizada uma mensuração da ansiedade infantil antes da preparação, porém os resultados não revelaram diferenças estatisticamente significativas entre o grupo experimental e o grupo controle.
Com base nesses resultados prévios, o presente estudo objetivou avaliar o impacto de três tipos de preparações psicológicas com informações educativas pré-cirúrgicas sobre a ansiedade e o estresse de meninos e meninas submetidos a cirurgias eletivas. As cirurgias eletivas são aquelas em que as crianças recebem alta no mesmo dia, caso não haja complicações. Como são cirurgias programadas, há um período de tempo para se realizar um preparo pré-operatório. Consideradas de pequeno porte, que não requerem muito tempo de internação, muitas das implicações referentes à hospitalização também acometem tais crianças e não as poupam das consequências que, porventura, a hospitalização venha acarretar independentemente do tempo que permanecem no hospital.
As crianças foram divididas em blocos equilibrados de acordo com o sexo e aleatoriamente alocadas em um de quatro grupos: controle (G1), informações verbais (G2), kit de preparação pré-cirúrgica (G3) e vídeo explicativo (G4). Foram consideradas três hipóteses: (H1) as crianças que receberam alguma preparação psicológica pré-cirúrgica teriam medidas de ansiedade e estresse pós-intervenção menores que as anteriores à preparação, quando comparadas com o grupo controle; (H2) dentre as três condições experimentais, o grupo do vídeo explicativo apresentaria maior diminuição nos níveis de estresse e ansiedade, seguido pelo grupo do kit de preparação pré-cirúrgica, e, por fim, grupo de informações verbais; (H3) as meninas teriam níveis iniciais maiores de estresse e ansiedade (Fernandes et al., 2014b; Melamed & Siegel, 1975) e seriam mais beneficiadas pelas preparações.
MÉTODO
Trata-se de um estudo experimental randomizado e controlado com grupos paralelos (um grupo controle e três intervenções), com randomização por blocos baseados no sexo da criança, medidas repetidas (pré e pós-intervenção) e alocação equilibrada por grupo experimental e bloco. Vale lembrar que um estudo experimental não precisa se preocupar, necessariamente, com um desenho amostral, mas com um plano de randomização e alocação.
Participantes
A presente pesquisa realizou-se num hospital infantil da região do Vale do Itajaí (sul do Brasil) e foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina (n.° 120.114). Participaram da pesquisa 80 crianças, 40 meninos e 40 meninas, com idades entre 6 e 12 anos, internadas num hospital infantil para a realização de cirurgia eletiva de pequeno porte. As principais características da amostra bem como a distribuição das variáveis por grupo podem ser conferidas na Tabela 1.
Tabela 1. Características da amostra*
Os seguintes critérios de inclusão foram seguidos: as crianças deveriam ter entre 6 e 12 anos de idade; ter sido escaladas para cirurgias eletivas de pequeno porte (amig-dalectomia, adenoidectomia, hérnia e postectomia); estar realizando a primeira intervenção cirúrgica; fazer o procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS); ser internadas na noite anterior ao procedimento e receber alta no mesmo dia após a recuperação da anestesia; estar acompanhadas de um responsável que concordou em participar do estudo ao assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
As crianças incluídas na amostra foram primeiramente organizadas em blocos equilibrados de acordo com o sexo. Em seguida, foram divididas aleatoriamente em quatro grupos, 20 crianças (10 meninos e 10 meninas) em cada grupo de preparação e 20 crianças (10 meninos e 10 meninas) no grupo de controle. As características sociodemográficas da amostra não diferiram significativamente entre os quatro grupos (todos os testes de x2 obtiveram valor-p > .05). Esse desenho experimental é classificado como desenho de blocos randomizados generalizados e permite calcular a interação entre blocos (meninos e meninas) e intervenções (verbais, kit de preparação pré-cirúrgica, vídeo explicativo), avaliando a diferença do impacto dos tratamentos para cada sexo.
Instrumentos e materiais
Dados sociodemográficos e clínicos.
Idade, sexo, histórico cirúrgico e tipo de cirurgia foram obtidos por consulta ao prontuário médico de cada paciente na triagem hospitalar.
Estresse infantil. Para avaliar o estresse das crianças antes e depois da preparação psicológica, foi aplicada individualmente a Escala de Stress Infantil (ESI) (Lipp & Lucarelli, 2005). A escala é composta por 35 itens, que buscam representar situações com potencialidades reconhecidas para evocar a manifestação das reações físicas (9 itens) e psicológicas (9 itens) do estresse infantil, bem como as reações psicológicas com componente depressivo (9 itens) e reações psicofisiológicas (8 itens). As respostas aos itens são dadas por meio de uma escala Likert de cinco pontos. O Alfa de Cronbach do instrumento foi .90.
Ansiedade infantil. Para avaliar a ansiedade das crianças antes e depois da preparação psicológica, foi aplicada individualmente a subescala de ansiedade estado (20 itens) do Inventário de Ansiedade Traço-Estado (Idate-c), adaptado para uso no Brasil por Biaggio e Spielberger (1983). Ela indica como a criança se sente num determinado tempo medindo estados transitórios de sentimentos subjetivos, conscientemente percebidos de apreensão, tensão e preocupação, que variam em intensidade. As respostas indicam frequência em quatro pontos: nunca, quase nunca, às vezes e muitas vezes. Cada item é constituído por três afirmações que representam diferentes intensidades dos sintomas. O Alfa de Cronbach foi de .88 para a escala utilizada.
Materiais educativos. As informações educativas foram fornecidas em três formatos diferentes. O Grupo de informações (G2) recebeu apenas informações verbais, sem material de apoio e individualmente. As informações consistiram em contar para a criança o tipo de cirurgia e as etapas pelas quais ela passaria em sua intervenção cirúrgica: jejum, vestimenta e informações sobre o centro cirúrgico, anestesia ("cheirinho"), tubo de respiração, curativo, sala de recuperação, retorno ao quarto e possíveis efeitos colaterais pós-cirúrgicos. O Grupo do kit de preparação (G3) recebeu essas mesmas informações acompanhadas de um kit de preparação pré-cirúrgica, elaborado para a pesquisa e composto por materiais hospitalares, tais como: estetoscópio, máscara cirúrgica, pijama hospitalar do médico e da criança, frasco de soro com equipo, propé, algodão, esparadrapo, luva, seringa; além disso, uma boneca cirúrgica com materiais hospitalares em miniatura: estetoscópio, luva, máscara, propé, pijama, tesoura, bisturi, termômetro e pá. Por fim, o Grupo do vídeo (G4 recebeu as mesmas informações por meio de um vídeo explicativo reproduzido num notebook. Esse recurso audiovisual em forma de desenho animado foi elaborado para uso exclusivo desta pesquisa e anteriormente aprovado por dois especialistas da área e por 10 crianças com mesma idade das participantes da pesquisa. No vídeo, um menino é levado ao médico por seus pais e fica sabendo que precisa se submeter a uma cirurgia. O médico conta para a criança as etapas pelas quais ela passaria em sua intervenção cirúrgica. Como os participantes da pesquisa sofreram quatro tipos diferentes de intervenções cirúrgicas, e o vídeo fornecido era único, as informações sobre o procedimento eram gerais, sem especificidades de cada cirurgia.
Procedimentos
O contato inicial com a criança foi realizado na noite anterior ao procedimento cirúrgico, depois de realizada a internação dela no hospital. Esse contato consistiu na interação prévia com a criança e com seu responsável para o estabelecimento de uma relação de confiança com a pesquisadora. O acompanhante e a criança foram convidados a participar da pesquisa e a assinar cada um o seu Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Depois de feito o rapport, as 10 primeiras crianças de cada grupo preencheram a ESI e o Idate-c. A ordem de aplicação dos dois instrumentos foi invertida para as próximas 10 crianças. Os instrumentos foram aplicados em sala separada do quarto de internação.
Num primeiro momento, foi questionado às crianças dos grupos experimentais (G2, G3, G4) individualmente sobre o que elas sabiam sobre sua cirurgia, como pensavam que seria o procedimento e quais as suas dúvidas sobre ele. Feito isso, foi informado sobre o que aconteceria por meio de uma das três preparações psicológicas. As informações a serem concedidas à criança foram obtidas no próprio hospital em que foi realizada a pesquisa, a fim de manter sua veracidade. As crianças do G2 receberam as informações verbais em aproximadamente 30 minutos, o mesmo tempo de duração da preparação do G3 com o auxílio do kit de preparação pré-cirúrgica. As crianças do G4 assistiram ao vídeo explicativo de aproximadamente cinco minutos. Durante a preparação psicológica, era permitido à criança tirar dúvidas sobre as informações (G2, G3), as cenas assistidas (G4), bem como manusear o boneco após receber as informações (G3), a fim de que ela realmente estivesse segura daquilo pelo qual iria passar, como recomendado por Lambert et al. (2013). No dia da cirurgia, no período que a antecedeu, deu-se a segunda etapa da coleta de dados com aplicação da ESI e do Idate-c da mesma forma como na noite anterior.
Análise de dados
Os dados foram analisados por meio de um sistema multivariado de equações de regressão linear. As equações do modelo fazem uso das medidas de pré-intervenção como covariáveis, o que permitiu diminuir o erro-padrão das estimativas do impacto causal das intervenções por meio de um modelo similar à Ancova. A necessidade do uso de um sistema de equações se deve ao fato de as duas variáveis de desfecho serem correlacionadas. Para ajustar o modelo, foi utilizada a técnica de estimação seemingly unrelated equations (equações aparentemente não relacionadas), que considera a correlação entre erros residuais quando há mais de um desfecho, e as equações do sistema não possuem os mesmos preditores
As equações básicas para estimar o efeito causal das intervenções estão descritas na equação. As duas variáveis de desfecho (y) indicam o escore padronizado após a intervenção; os interceptos (α) indicam a média do grupo controle; as inclinações (β) controlam a variação relativa aos escores padronizados prévios à intervenção (Xi); os indicadores dos blocos (Bk) estimam a variação de base entre meninos e meninas; os indicadores do tipo de intervenção (Tj) estimam a diferença entre os tratamentos e o grupo controle, e é o principal coeficiente de interesse do estudo. Os erros residuais (e) são modelados como provenientes de uma distribuição normal multivariada e são correlacionados entre os desfechos.
As variáveis numéricas foram transformadas em escores-z, centralizando a medida dos dois momentos na média da medida pré-teste e escalonando pelo desvio-padrão agregado dos dois momentos. Essa transformação permite comparar diretamente os coeficientes de ambos os desfechos e interpretar o efeito causal em termos de diferença entre médias normalizadas. As variáveis categoriais foram codificadas utilizando dummy coding, com o grupo controle como referência. Os parâmetros do modelo foram estimados por meio do pacote systemfit (Henningsen & Hamann, 2007) do ambiente de programação r, versão 3.2.2.
As análises apresentadas, porém, baseiam-se no modelo completo, que complementa a Equação 1 acrescentando os termos de interação entre todos os preditores. Sua principal vantagem é permitir estimar a variação dos efeitos em função do bloco ou do escore pré-intervenção. Foi utilizado o pacote multcomp do r (Hothorn, Bretz, & Westfall, 2008) para computar a diferença entre as intervenções e o grupo controle, marginalizando as interações. Esse pacote permite estimar múltiplas hipóteses lineares a partir de modelos de regressão, levando em consideração o problema de múltiplas comparações.
RESULTADOS
A seguir, serão apresentados os resultados obtidos com as análises realizadas.
A dispersão das medidas de estresse e ansiedade nos momentos pré e pós-intervenção pode ser conferida na Figura 1, dividida por grupos experimentais e de controle. Coerentemente com as medidas de tendência central, a maior parte dos pontos, especialmente entre os meninos, está abaixo da linha de identidade nos grupos experimentais, o que sugere uma diminuição com relação aos escores pré-teste.
Figura 1. Gráfico de dispersão das medidas de estresse (linha superior) e ansiedade (linha inferior). O eixo x indica os valores, em escore-z, das medidas anteriores à intervenção; o eixo y, por sua vez, indica as medidas após a intervenção. Cada coluna representa um dos grupos do estudo. Triângulos indicam meninos e círculos indicam meninas. A linha diagonal representa a identidade entre os dois momentos: pontos abaixo dela sofreram diminuição no escore, e pontos acima dela sofreram aumento.
As estimativas de efeito causal inferidas pelo modelo serão apresentadas em duas partes. Primeiramente serão apresentados os efeitos médios marginais de cada tratamento e sua variação entre meninos e meninas. Em seguida, serão apresentadas as estimativas de variação do efeito em função do escore pré-teste na variável de desfecho.
Efeito médio e por blocos
Na Figura 2, são apresentadas as estimativas de efeito causal das três preparações sobre o estresse e a ansiedade. Essa estimativa é a diferença da média dos grupos experimentais em comparação com o grupo controle.
Figura 2. Estimativas de efeito causal dos três tratamentos sobre o estresse (gráfico de cima) e a ansiedade (gráfico de baixo). As estimativas pontuais representam a diferença média com relação ao grupo controle, tanto para os dois blocos simultaneamente (quadrado) quanto separadamente para meninos (triângulo) e meninas (círculo). As linhas mais grossas indicam o erro-padrão das estimativas, e as linhas mais finas indicam os limites do intervalo de 95 % de confiança. Os números acima ou abaixo de cada elemento indicam o valor da estimativa pontual do parâmetro.
Com relação às medidas de estresse, os efeitos gerais das preparações por meio de informações verbais e com auxílio do kit de preparação foram fracos e com erro-padrão que indicou incerteza sobre a direção do efeito (Tinfo1 = + .09 ± .18; Tkit1 = -.25 ± .19). A preparação que fez uso do vídeo, porém, apresenta uma magnitude maior e de direção mais precisa (Tvídeo1 = - .38 ± .18), o que indicou uma efetiva diminuição do estresse nesse grupo experimental.
Quando as estimativas dos efeitos das preparações sobre o estresse são desagregadas em função dos blocos, é possível perceber que os meninos apresentaram maior diminuição nos escores do que as meninas. No caso deles, todos os efeitos foram negativos, mas somente as estimativas dos grupos do kit de preparação e do vídeo foram de maior magnitude e de direção certa (TinfoM1 = - .08 ± .27; TkitM1 = - .56 ± .29; TvideoM1 = -.66 ± .25). As meninas, por sua vez, apresentaram efeitos fracos e de direção incerta (TinfoF1= +.27 ± .25; TkitF1 = + .06 ± .26; TvideoF1 = - .1 ± .27).
O mesmo padrão se repete para o desfecho de ansiedade. O impacto geral das preparações é fraco e de direção incerta nos grupos de informações e do kit de preparação, mas é maior e negativo no grupo do vídeo (Tinfo2 = - .03 ± .26; Tkit2 = - .23 ± .27; Tvddeo2 = - .54 ± .27). Os resultados apontam para uma efetiva redução da ansiedade no grupo experimental preparado com o vídeo.
Considerando os efeitos desagregados por bloco, os meninos novamente tiveram maior redução em comparação com as meninas. Entre eles, os efeitos dos tratamentos com informações e com o kit de preparação são fracos e de direção pouco precisa, enquanto o efeito do grupo do vídeo tem maior magnitude ( TinfoM2 = + .24 ± .37; TkitM2 = - .38 ± .37; TvddeoM2 = - .71 ± .38). Para as meninas, todos os efeitos se encontram próximos de zero, e o erro-padrão das estimativas indica incerteza sobre suas direções (TinfoF2 = - .29 ± .37; TkitF2 = - .09 ± .39; TvideoF2 = - .36 ± .38)
T2 Variação do efeito em função do escore inicial
A interação entre o tipo de intervenção e a medida pré-teste permite avaliar a variação do efeito da intervenção em função do escore inicial do sujeito. A estimativa dessa variação é dada pela equação Tj + βTx, ou seja, o efeito médio do tratamento j(Tj) somado à inclinação dada pela interação da variável do tratamento com a medida pré-teste (βT) em função do escore no pré-teste (x).
Grupo de informações: para o desfecho de estresse, a diferença esperada entre o grupo controle e o grupo de informações é de + .06 - .15x. O sinal negativo da inclinação sugere que esse tratamento pode beneficiar mais aquelas crianças com índices de estresse mais altos, mas sua estimativa é incerta para garantir essa inferência (βinfo1 = - .15 ± .2). No caso da ansiedade, a variação do efeito do tratamento é de - .06 + .32x, o que sugere uma piora entre as crianças com escores mais altos no pré-teste. Essa inferência também é pouco precisa em função do erro-padrão da estimativa (βinfo2 = + .32 ± .34).
Grupo do kit de preparação pré-cirúrgica: a variação no efeito da preparação com o kit sobre o estresse é de - .27 -.28x. A inclinação negativa sugere uma maior diminuição entre as crianças com escores mais altos, mas sua estimativa é incerta (βkit1 = - .28 ± .25). Para o desfecho de ansiedade, a variação do efeito é de - .25 + .28x. O efeito é aparentemente pior para crianças com maior ansiedade no pré-teste, mas a estimativa da inclinação é imprecisa (βkit2 = + .28 ± .29).
Grupo do vídeo explicativo: por fim, a variação do efeito da preparação com o vídeo explicativo sobre o estresse é de -.39 - .33x. A magnitude da inclinação é fortemente negativa, sugerindo que o tratamento com o vídeo é particularmente eficaz com crianças com maiores níveis de estresse (βvideo1 = - .33 ± .19). Para o desfecho ansiedade, a variação do impacto do tratamento é de - .55 - .37x. A direção da inclinação sugere uma diminuição maior da ansiedade para crianças com escores altos no pré-teste, mas nesse caso a estimativa é menos precisa (βvideo2 = - .37 ± .26).
Tomadas em conjunto, as estimativas de variação do efeito do tratamento sugerem que há pouca mudança na magnitude e direção do efeito em função dos escores prévios à preparação. A exceção, ainda que a evidência não seja decisiva, é o efeito amplificado da preparação com vídeo sobre crianças com maiores estresse e ansiedade.
T2 Sensibilidade das inferências
Para verificar se as inferências feitas a partir do modelo completo são robustas, os coeficientes apresentados acima foram comparados com as estimativas do modelo básico. Como este não possui nenhuma interação, seus coeficientes dizem respeito ao efeito médio das intervenções e desconsideram a variação entre meninos e meninas.
O efeito causal das preparações é de baixa magnitude e de direção incerta tanto para o grupo de informações quanto para o grupo do kit de preparação pré-cirúrgica. Para o primeiro, a estimativa de efeito médio é de + .07 ± .18 para o estresse e - .05 ± .28 para ansiedade. Para o segundo grupo, o efeito causal estimado é de - .16 ± .17 e - .13 ± .28, respectivamente. O grupo do vídeo explicativo, por fim, é a única intervenção cujas magnitude e direção são estimadas com maior precisão. O efeito estimado é de - .35 ± .17 para o estresse e de - .61 ± .28 para a ansiedade, o que sugere eficácia na redução de ambos os desfechos.
Comparando esses resultados com o modelo completo, as conclusões substanciais obtidas se alteram pouco: o grupo de vídeo se revelou o de maior impacto na redução tanto da ansiedade quanto do estresse. O modelo básico, porém, não diferencia entre meninos e meninas, e faz a média para os dois blocos; também não permite verificar variações no efeito médio em função do escore prévio.
Para referendar a preferência pelo modelo completo, os dois modelos foram comparados diretamente por meio do teste de razão de verossimilhança, e o resultado foi estatisticamente significativo em favor do modelo completo (x2 (20) = 42.34; p = .002), indicando que as interações melhoram o ajuste aos dados. O modelo completo é, portanto, corroborado pelo modelo mais simples em suas inferências mais importantes e também está melhor ajustado aos dados.
Finalmente, as análises residuais do modelo completo não indicam nenhuma violação evidente dos principais pressupostos da regressão linear.
DISCUSSÃO
A criança pode vivenciar a cirurgia como um evento traumático e gerador de altos níveis de estresse e ansiedade. Por esse motivo, a preparação infantil para esse processo é foco de interesse da equipe de saúde, principalmente ao se considerar a escassez de tempo e oportunidades para fornecer informações relevantes para a criança no período pré-operatório (Fernandes et al., 2015). A hipótese inicial (H1) de que as crianças que receberiam alguma preparação psicológica pré-cirúrgica teriam medidas de ansiedade e de estresse pós-intervenção menores que as anteriores à intervenção, em comparação com a variação no grupo controle, foi parcialmente corroborada. As estimativas do efeito médio dos grupos experimentais são quase todas negativas, ainda que muitas delas não permitam inferir com confiança a direção do efeito. O grupo do vídeo foi o único grupo experimental cujo efeito foi estimado com maior precisão, o que indicou uma efetiva diminuição do estresse e da ansiedade. A análise dos efeitos em função do sexo sugere que os meninos são mais beneficiados pelas preparações do que as meninas. A análise da variação do efeito em função dos escores iniciais sugere também que a preparação com vídeo pode ser particularmente benéfica às crianças com maiores índices de estresse e ansiedade.
A segunda hipótese (H2), de que as crianças que assistiriam ao vídeo explicativo teriam maior diminuição nos níveis de estresse e ansiedade em comparação com as do kit de preparação pré-cirúrgica, que, por sua vez, teriam níveis menores que aquelas do grupo de informações verbais, foi parcialmente corroborada. Apesar de as diferenças entre os grupos experimentais serem pequenas, a ordem da magnitude dos efeitos seguiu o padrão predito nas estimativas agregadas e no bloco dos meninos. No caso das meninas, a preparação com o vídeo foi a que apresentou a maior diminuição, mas o grupo de informações teve uma estimativa de maior redução do que o grupo do kit de preparação.
Mesmo assim, somente o programa preparatório com a utilização do vídeo explicativo obteve impacto suficiente para diferenciá-lo do controle. Esse resultado concorda com estudo de Melamed e Siegel (1975) e, em parte, com o estudo de Fincher et al. (2011), que não encontrou diferenças significativamente estatísticas entre crianças australianas de 3 a 12 anos que receberam informações-padrão do hospital sobre o procedimento cirúrgico sem educação pré-operatória (grupo controle) e aquelas que receberam uma intervenção pré-operatória por meio de fotografias, uma demonstração do uso de instrumentos cirúrgicos por meio de um modelo e um passeio pelo centro cirúrgico entre cinco e dez dias antes da operação. Esse resultado aponta para a importância do fator de distração na preparação psicológica, não considerada no estudo de Fincher et al. (2011). Talvez apenas as informações repassadas por meio do vídeo explicativo tenham obtido valor de entretenimento para a faixa etária das crianças da pesquisa, pois a boneca pode ser considerada pelas crianças como algo infantil. A literatura, porém, não é suficientemente coerente quanto às vantagens e desvantagens das diferentes estratégias de preparação, pois as demais técnicas utilizadas são descritas como efetivas na preparação de crianças (Broering & Crepaldi, 2011; Cuzzocrea et al., 2013; Fernandes et al., 2014b; 2015).
A terceira hipótese (H3) de que as meninas teriam níveis iniciais maiores de estresse e ansiedade, e que seriam mais beneficiadas pelas preparações foi rejeitada. Apesar de, em média, as meninas apresentaram maiores índices de estresse e de ansiedade, seus escores não são significativamente maiores que os dos meninos. Em quase todos os grupos, especialmente a preparação com o vídeo, os resultados sugerem que o grupo dos meninos obteve maiores benefícios com a preparação psicológica para ambos os desfechos.
Esse resultado vai de encontro com os achados da literatura (Fernandes et al., 2014b; Melamed & Siegel, 1975). Entretanto, Fernandes et al. (2014a) afirmam que as crianças do sexo masculino manifestam atitudes mais positivas, relatando menor evitação e avaliação menos dolorosa dos procedimentos médicos. Um fator explicativo pode ser o reforço social da crença de que mulheres são mais emotivas e menos tolerantes à dor, e que homens são educados desde pequenos para adotar estratégias ativas para suprimir a verbalização e a manifestação exterior de dor. Assim, espera-se que os meninos reportem atitudes mais positivas em relação aos cuidados de saúde, bem como níveis inferiores de percepção de dor ante os procedimentos médicos e cotidianos, quando comparados às meninas. Com base nesses dados, é possível supor que os meninos foram mais favorecidos pelo vídeo explicativo devido à tendência da sociedade de incitar maior tolerância à dor nessa população.
Nessa pesquisa, o grupo do vídeo utilizou um desenho animado em que o personagem central era um menino, o que pode ter influenciado os participantes do sexo masculino a se sentirem mais identificados com esse programa em função de seu gênero. Ademais, em estudo realizado por Broering e França (2008), foi constatado que os meninos apresentaram mais comportamentos de imitação quando comparados às meninas. Desse modo, os meninos podem ter sido mais beneficiados pela preparação com o vídeo pela modelação, ao imitarem os comportamentos do vídeo no momento pré-cirúrgico.
Num contexto ideal, a preparação psicológica précirúrgica deveria considerar as particularidades de cada criança, sua condição de saúde, experiência, inserção familiar e sociocultural, além de sua familiaridade com o ambiente, com o pessoal e com os procedimentos hospitalares, tendo em vista que cada criança é singular e pode fazer uso de suas estratégias de enfrentamento ante a situação que lhe é imposta (Jaaniste et al., 2007; Lambert et al., 2013; Yuki & Daaboul, 2011). É relevante, entretanto, que os hospitais considerem os resultados de pesquisas sobre intervenções na ansiedade e no estresse infantil pré-operatório, bem como sua realidade em termos de recursos físicos de pessoal disponíveis, na escolha da melhor forma de amenizar essas reações psicológicas e tornar o ambiente hospitalar menos hostil à criança (Aouad, 2011; Fincher et al., 2011).
Os achados desta pesquisa apontam para uma boa relação custo-benefício na utilização do vídeo explicativo apresentado por um profissional de psicologia na atenuação do estresse e da ansiedade em curto prazo. Essa intervenção é significativamente mais rápida (em torno de cinco minutos) que as intervenções verbais e por meio do kit de preparação pré-cirúrgica (aproximadamente 30 minutos). Recomendase que, em estudos posteriores, seja utilizado um desenho com uma personagem feminina para as meninas, visto que os meninos foram mais favorecidos, especialmente aqueles com maior nível de estresse inicial.
Além disso, é importante ressaltar o papel mediador do profissional de psicologia na aplicação da intervenção. Muitas vezes, apesar da existência de materiais terapêuticos voltados à preparação psicológica pré-cirúrgica de crianças, eles são subutilizados pela equipe médica, reduzidos apenas a uma finalidade distrativa (Lambert et al., 2013). O psicólogo, fazendo uso desses materiais, está capacitado a traduzir as informações técnicas acerca do procedimento cirúrgico para a criança e sua família num linguajar acessível e com uma postura convidativa à exposição de dúvidas.
REFERÊNCIAS
Aouad, M. T. (2011). The psychological disturbances of the child undergoing Surgery-from admission till beyond discharge (Editorial). Middle East J. Anesth, 21(2), 145-147.
Biaggio, A & Spielberger, C. D. (1983). Inventário de Ansiedade Traço-Estado - IDATE-C Manual. Rio de Janeiro: CEPA.
Broering, C. V., & França, G. R. (2008). Diferenças Comportamentais de Gêneros em Espaços Estruturado e Não-Estruturado. Revista Psicologia para América Latina, 11(13).
Broering, C. V., & Crepaldi, M. A. (2011). Preparação Psicológica e o Estresse de Crianças Submetidas a Cirurgias. Psicologia em Estudo,16(1), 15-23.
doi: http://10.1590/S1413-73722011000100003.
Cuzzocrea, F., Gugliandolo, M. C., Larcan, R., Romeo, C., Turiaco, N., & Dominici, T. (2013). A psychological preoperative program: effects on anxiety and cooperative behaviors. Pediatric Anesthesia, 23, 139-143.
doi: http://10.1111/pan.12100.
Fernandes, S. C., Arriaga, P., & Esteves, F. (2014a). Atitudes infantis face aos cuidados de saúde e percepção de dor: papel mediador dos medos médicos. Ciência e Saúde Coletiva, 19(7), 2073-2082.
doi: http://1590/1413-81232014197.08992013.
Fernandes, S. C., Arriaga, P., & Esteves, F. (2014b). Providing preoperative information for children undergoing surgery: a randomized study testing different types of educational material to reduce children's preoperative worries. Health Education Research, 29(6), 1058-1076.
doi: http://10.1093/her/cyu066.
Fernandes, S. C., Arriaga, P., & Esteves F. (2015). Using an Educational Multimedia Application to Prepare Children for Outpatient Surgeries. Health Communication, 30(12), 1190-1200.
doi: http://10.1080/10410236.2014.896446.
Fincher, W, Shaw, J., & Ramelet, A. S. (2011). The effectiveness of a standardised preoperative preparation in reducing child and parent anxiety: a single-blind randomised controlled trial. Journal of Clinical Nursing, 21, 946-955.
doi: http://10.HH/j.1365-2702.2011.03973.x.
Henningsen, A., & Hamann J. D. (2007). Systemfit: A Package for Estimating Systems of Simultaneous Equations in R. Journal of Statistical Software. 23(4), 1-40.
doi: http://10.18637/jss.v023.i04.
Hothorn, T., Bretz, F., & Westfall, P. (2008). Simultaneous Inference in General Parametric Models. Biometrical Journal. 50(3), 346-363.
doi: http://10.1002/bimj.200810425.
Jaaniste, T., Hayes, B., & von Baeyer, C. (2007). Providing children with information about forthcoming medical procedures: A review and synthesis. Clinical Psychology: Science and Practice, 14, 124-143.
doi: http://10.1111/j.1468-2850.2007.00072.x.
Lambert, V., Glacken, M., & McCarron, M. (2013). Meeting the information needs of children in hospital. Journal of Child Health Care. 17(4), 338-353. doi: http://10.1177/1367493512462155.
Lipp, M. E. N., & Malagris, L. N. (1998). Manejo de Estresse. Em B. Rangé (org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva. Pesquisa, Prática, Aplicações e Problemas (pp. 279-292). Campinas: Editorial Psy II.
Lipp, M. E. N., & Lucarelli, M. D. M. (2005). Escala de Stress Infantil: ESI: manual. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Melamed, B., & Siegel, L. (1975). Reduction of anxiety in children facing hospitalization and surgery by use of filmed modelling. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 43, 511-521.
doi: http://10.1037/h0076896.
O'Sullivan, M., & Wong, G. K. (2013). Preinduction techniques to relieve anxiety in children undergoing general anaesthesia. Continuing Education in Anaesthesia, Critical Care & Pain Advance, 13(6), 196-199.
doi: http://10.1093/bjaceaccp/mkt014.
Paladino, C. M., Carvalho, R., Almeida, F. A. (2014). Brinquedo terapêutico no preparo para a cirurgia: comportamentos de pré-escolares no período transoperatório. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 48(3), 423-429.
doi: http://10.1590/S0080-623420140000300006.
Perry, J. N., Hooper, V. D., & Masiongale, J. (2012). Reduction of Preoperative Anxiety in Pediatric Surgery Patients Using Age-Appropriate Teaching Interventions. Journal of PeriAnesthesiaNursing, 27(2), 69-81.
doi: http://10.1016/j.jopan.2012.01.003.
Yuki, K., & Daaboul, D. G. (2011). Postoperative Maladaptive Behavioral Changes in Children. Middle East J. Anesth 21(2), 183-192.